terça-feira, 22 de junho de 2010

A compra de terras por estrangeiros e a soberania nacional

A aquisição de terras no Brasil por estrangeiros, pessoa física ou empresas, passa por um momento que gera preocupações das autoridades, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aquecido pela onda do etanol, o mercado está em plena expansão. Mas não é só isso, a crescente presença estrangeira coincide com o aumento da demanda mundial por recursos naturais, como a escassez de água e crise de alimentos, a elevação dos preços das terras e os impactos sobre populações pobres no acesso à terra. Com esse pano de fundo, o presidente Lula decidiu propor alterações à Constituição para proibir a compra de terras brasileiras por estrangeiros.
Como diz o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, a mudança constitucional visa a deixar claro aos investidores que podem investir em qualquer área, "mas não em terras". E acrescenta:"Terras brasileiras têm de ficar nas mãos de brasileiros, porque isso tem a ver com segurança alimentar".
Parlamentares da bancada do PT na Câmara apoiam a medida. Para os deputados José Genoino (PT-SP) e Nilson Mourão (PT-AC), a questão envolve a defesa dos interesses e da soberania nacional, sobretudo num momento em que há uma disputa cada vez maior por recursos naturais. Já Maurício Rands (PT-PE) entende que a possível mudança das regras vai garantir o reforço à proteção da vasta biodiversidade e das riquezas naturais do país.

Segundo publicou o jornal Valor Econômico, o presidente Lula está preocupado com os abusos e determinou a retomada dos debates por um grupo de ministros e auxiliares sob a coordenação da Casa Civil, que elabora uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com finalidade de conter a venda de terras a estrangeiros. A PEC teria poder para anular títulos já registrados por estrangeiros a partir de uma data de corte a ser estabelecida.

Na opinião de Genoino, o controle da aquisição de terras por estrangeiros já poderia ser feito se estivesse valendo um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, agora sob análise do Senado. De autoria do deputado Nilson Mourão, o projeto restringe a compra de terras por estrangeiros na Amazônia e em outras partes do país. "O importante é garantir o controle do território nacional, daí a importância estratégica da decisão do presidente Lula de tratar do assunto", disse Genoino.

Mourão disse que sua iniciativa originalmente abrangia a Amazônia, mas ele reconhece que a questão afeta hoje todo o território nacional. "Há grupos estrangeiros e até empresas estatais de alguns países comprando vastas extensões de terra, repetindo aqui uma prática que está ocorrendo na África e em outros países da América do Sul A questão é grave, pois afeta nossos interesses nacionais".

Para Rands, o Brasil não pode ser xenófobo mas deve agir com cautela, para evitar prejuízos à soberania nacional. "O controle do nosso espaço territorial e de nossos recursos naturais deve ser feito pelo próprio Estado brasileiro", disse Rands.

Há tempos o governo avalia alterar as regras para restringir a aquisição de terras por estrangeiros no Brasil. A principal mudança seria equiparar a empresa nacional de capital estrangeiro ao conceito de companhia controlada por acionistas não residentes no país ou com sede no exterior. Até agora, as compras de terras têm sido feitas com base em um parecer da Advocacia-Geral da União, que dispensou autorização para a aquisição de imóveis rurais em território nacional. Até 1995, o Artigo nº 171 da Constituição, depois revogado, permitia a distinção entre os dois conceitos. Uma lei de 1971 limitava os investimentos estrangeiros a um quarto da área de cada município brasileiro e previa que pessoas da mesma nacionalidade não podiam ser donas de mais de 40% desse limite.

A preocupação de Lula tem fundamento em dados do Banco Central e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Estatísticas inéditas do cadastro rural mostram que, até 2008, havia 4,04 milhões de hectares registrados por estrangeiros. São 34.218 imóveis concentrados no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia e Minas. De 2002 a 2008, o governo registrou grandes investimentos estrangeiros em terras no país - US$ 2,43 bilhões, segundo o BC. "Não sou xenófobo, mas nosso território é finito, a população cresce e demanda comida", disse Cassel.