quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Verba publicitária e sadomasoquismo, por Fernando Ferro


Os jornalecos e almanaques reacionários de oposição, tipo Veja, vez por outra têm um de seus capangas acusando jornalistas de "chapa-branca" na tentativa de encurralar qualquer visão séria e democrática sobre o Partido dos Trabalhadores e os governos do PT. Por trás destas críticas reside um viés ideológico como porta-voz da direita no Brasil, bem como um certo mal estar pela perda da sustentação financeira com o dinheiro oficial.

A partir do governo Lula, praticou-se uma distribuição mais justa em termos regionais na descentralização dos receptores do dinheiro da publicidade oficial. Nosso governo incorporou no mailing dos meios de comunicação do Estado brasileiro desde redes regionais até o sistema de rádios comunitárias e jornais espalhados por diversas regiões do Brasil. Este gesto atraiu o descontentamento dos Civitas da vida, que querem monopolizar e concentrar os meios e suas receitas. Apesar da mudança, ainda é profundamente concentrada a distribuição das verbas oficiais de comunicação.

Observa-se que dos R$ 161 milhões repassados à emissoras de rádios, TV, jornais, revistas e sites, desde o início do governo Dilma, R$ 50 milhões foram destinados apenas para a TV Globo, quase um terço de toda a verba – ao todo,  o Sistema Globo de Comunicações recebeu R$ 55 milhões.  Já a "imparcial" revista Veja, por sua vez, recebeu R$ 1,3 milhão; e o os tentáculos on-line da Editora Abril também receberam mais R$ 353 mil. Enquanto isso, a revista "parcial" Carta Capital recebeu, no mesmo período, R$ 119 mil.

Em outros termos, pagamos uma mídia para nos atacar, nos destruir e se organizar em quadrilhas, como no caso recente da dobradinha Veja/Cachoeira.

Isto não é justo. Não é correto. Precisamos rever a distribuição de verbas publicitárias, que hoje se constituem num verdadeiro acinte à democracia. Não se trata apenas de regular os meios de comunicação, devemos promover uma justa redistribuição das verbas publicitárias do Governo.

Por fim, é bom que se note que aqui não foram incluídos os repasses das verbas publicitárias das empresas estatais de economia mista, como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Correios, Grupo Eletrobrás, Petrobrás, etc.

Ora, parece que tomamos gosto por rituais de sadomasoquismo midiático ou praticamos a gentileza dos submissos.

Fernando Ferro - Deputado federal (PT-PE) e vice-líder da Bancada do partido na Câmara

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Ilusões e Realidade


Em artigo publicado no Correio Braziliense, Marcos Coimbra põe a limpo os falsos prognósticos da “grande imprensa”:

"As eleições de 2012 estão sendo uma desagradável surpresa para a maioria dos analistas da “grande imprensa”. Quase tudo que esperavam que fossem, elas teimam em não ser.

Ficaram atordoados com os resultados de 7 de outubro. Devem ficar ainda mais com os que, provavelmente, teremos no segundo turno. 

Prepararam a opinião pública para a vitória de Serra em São Paulo. Quando, em fevereiro, o PSDB paulista implodiu o processo de prévias partidárias, fizeram crer que um lance de gênio acabara de ser jogado. Para sua alegria, Serra aceitara ser candidato.

Quem leu os “grandes jornais” da época deve se recordar do tom quase reverencial com que a candidatura foi saudada. Fernando Haddad, o novo poste fabricado por Lula, iria ver com quantos paus se faz uma canoa. Teria que lidar com o grão-mestre tucano.

Já tinham antecipado dias difíceis para os candidatos petistas com a doença do ex-presidente. Era, no entanto, apenas o desejo de que ele não tivesse condições de participar da campanha.

Quando Lula entrou em campo para melhorar as condições de disputa de seu candidato em São Paulo, ampliando o tempo de televisão de Haddad mesmo que às custas de uma coligação com Paulo Maluf, nossos argutos observadores decretaram que cometera um erro colossal. Que sepultava ali as chances de seu indicado.

Hoje, percebe-se que acertou no cálculo de que o verdadeiro campeão em rejeição na cidade é Serra e não Maluf.

Mas a grande aposta que não deu certo é a que fizeram a respeito do impacto do julgamento do “mensalão” nas eleições. Imaginaram que seria dinamite puro. Revelou-se um tiro de festim.

As urnas não evidenciaram a esperada derrota petista. E não é isso que aguardamos para domingo.

Ao contrário, as eleições de 2012 estão se mostrando muito positivas para Lula, Dilma e o PT. Foi o partido que mais cresceu entre os maiores no número de prefeituras, de vereadores, na presença em cidades grandes. Confirmando a vitória em São Paulo e nas capitais em que tem candidatos na liderança, está prestes a conseguir seu melhor desempenho em eleições municipais desde a fundação.

O inesperado dessa performance está levando esses comentaristas a interpretações equivocadas. Cujo intuito é diminuir o significado do resultado do PT.

A primeira é que o “grande vitorioso” destas eleições seria o PSB e seu presidente, o governador Eduardo Campos.

Com todo o respeito, é difícil incluir o PSB entre os grandes. Ganhou 435 prefeituras (no primeiro turno), metade das quais em cinco estados do Nordeste, mais de um quarto em Pernambuco e no Piauí. Como partido, permanece regional, acolhendo, no restante do Brasil, algumas lideranças que lá estão como poderiam estar em qualquer outro.

É do PSB o prefeito reeleito de Belo Horizonte. Mas ninguém que conheça a política da cidade atribui a essa filiação qualquer relevância na reeleição de Marcio Lacerda.

Resta a vitória de Geraldo Julio, no Recife, um feito para Eduardo Campos. O caso é que vencer na capital de seu estado está longe de ser um resultado espetacular para um governador competente.

A segunda versão equivocada é que “ninguém ganhou”, pois a alienação eleitoral é que teria sido a marca das eleições deste ano. Que as abstenções, somadas aos brancos e nulos, é que seriam as vedetes.

Não é verdade. Em algumas capitais, de fato houve um aumento expressivo desse agregado em relação a 2008. Como em São Paulo, em que foi de 24% para 31%.

Na média das dez maiores cidades brasileiras, no entanto, a alienação total aumentou pouco no período, indo de 23,5%  para 26%. Na verdade, ela cresceu mais entre 2004 (quando era de 19,5%) e 2008, que de então para cá.

Ou seja: nem PSB, nem alienação, o maior vitorioso está sendo o PT. Se Haddad vencer, uma chave de ouro para Lula. Justo quando decretaram que enfraqueceria.

Mais uma vez, o que se vê é que  o povo não dá a menor pelota para o que pensam os “formadores de opinião”.

 Marcos Coimbra
(artigo publicado no Correio Braziliense, edição do dia 24 de outubro de 2012)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Bolsa Família, nove anos depois

Em artigo à Folha de S.Paulo, Tereza Campello faz um registro dos nove anos do Bolsa Família e a sua importância para tornar o Brasil um país mais justo:

"No dia 20 de outubro de 2003, o Bolsa Família foi lançado pelo presidente Lula sob expectativa de garantir que todos os brasileiros passassem a ter três refeições ao dia. Hoje, podemos comemorar muito mais.

Ao priorizar as mulheres como titulares dos benefícios, mais que assegurar recursos para alimentação, remédios, material escolar e higiene às crianças e à família, conquistamos avanços com aumento do poder decisório da mulher e do exercício de seus direitos reprodutivos.

Optamos por soluções simples e modernas, como o pagamento via cartão magnético -instrumento que não só facilita o controle como também torna as relações impessoais e reduz interferências políticas.
O cartão colocou o benefício diretamente na mão da família, fortalecendo sua autonomia, desburocratizando o programa e injetando dinheiro diretamente na economia.

Já imaginávamos que o Bolsa Família traria dinamismo às economias locais, mas não contávamos com o efeito multiplicador que o programa teria, algo que se fez notar com maior nitidez a partir da crise que eclodiu em 2008 nos países ricos.

Submetidos a todo tipo de pesquisas, estudos e questionamentos, muitos mitos, preconceitos e dúvidas sobre o Bolsa Família foram paulatinamente sepultados.

Não houve estímulo à natalidade ou o chamado "efeito preguiça" entre os beneficiários. Pesquisas mostram impactos positivos do Bolsa Família na progressão e frequência escolar de crianças e adolescentes, na realização de pré-natal, na vacinação e na amamentação. Pela primeira vez, crianças e jovens pobres apresentam resultados melhores que a média do país em indicadores como taxa de aprovação e evasão escolar.

Nove anos depois do lançamento, temos um programa que chega aos quatro cantos do país, beneficiando 50 milhões de pessoas a um custo de 0,46% do PIB.

Abrangente, eficiente e bem focalizado nos mais pobres, o Bolsa Família viabilizou a construção de um cadastro socioeconômico das famílias mais pobres do Brasil, integrando a maioria dos programas sociais e transformando o Brasil em exportador de tecnologia social. Tornou-se modelo de programa de transferência de renda no mundo e está entre os mais recomendados pela ONU.

O sucesso do Bolsa Família nesses nove anos só foi obtido graças à dedicação de dezenas de milhares de profissionais das áreas de assistência social, educação e saúde no nível federal, nos Estados e em todos os municípios. Juntos, construímos mais que um programa: a mais ampla articulação federativa em políticas públicas, colocando o Estado a serviço de quem mais precisa.

Essas conquistas permitiram à presidenta Dilma Rousseff propor o desafio de buscar a superação da extrema pobreza por meio do Brasil Sem Miséria. Utilizando o mapa da pobreza desenhado a partir do Bolsa Família, estamos expandindo a oferta de vagas de qualificação profissional pelo Pronatec, de escola em tempo integral pelo Mais Educação, de vagas em creches e muito mais.

Com o Brasil Carinhoso - ancorado no Bolsa Família e com ênfase na saúde e na educação de crianças extremamente pobres com menos de seis anos - demos mais um passo decisivo: reduzimos em 40% a extrema pobreza no Brasil.

O Bolsa Família ajudou a construir um país mais justo e mais igual ao longo desses nove anos. O Brasil está de parabéns."

TEREZA CAMPELLO, economista, é ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(Artigo publicado na Folha de S. Paulo, edição do dia 23 outubro de 2012)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O "mensalão" deveria ter sido um caso normal da vida democrática

Em artigo à Carta Capital, Fernando Filgueiras argumenta que o julgamento da Ação penal 470 pelo STF está mais carregado de moralismo do que de jurisprudência:

""PUBLICITY IS justly commended as a remedy for so­cial and industrial disea-ses. Sunlight is said to be the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman", esplanou o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Louis Brandeis, em 1913. Em uma tra­dução livre: "Publicidade é justamen­te o remédio recomendado para doen­ças sociais e industriais. A luz do sol é o melhor dos desinfetantes. A luz elé­trica, o policial mais eficiente". No con­texto da época, o debate girava em tor­no da aplicação do princípio da publi­cidade na administração pública, tendo em vista a participação de grandes cor­porações no orçamento público norte-americano. Atribui-se a Brandeis, ma­gistrado da Suprema Corte, a formula­ção do conceito de transparência.

Naquela ocasião, a discussão sobre os monopólios na área de transporte público em Boston e as falcatruas pratica­das em seguros levaram a diversos deba­tes na Suprema Corte. A intervenção de Brandeis ressaltava a importância de tor­nar os assuntos públicos nas democra­cias e na ideia de transparência como um remédio importante para a política e pa­ra o bom andamento da gestão pública.

A transparência entrou para o léxico político como um valor inconteste. To­dos a defendem e a apontam como o re­médio inevitável para a corrupção das instituições. Entenda-se corrupção, nes­se texto, não apenas como os esquemas privados de malversação de recursos públicos, mas também como o processo de degeneração das instituições, fazen­do com que elas não funcionem com ba­se no interesse público. A transparência, por princípio, desinfeta a política e asse­gura ao cidadão maior volume de informações, permitindo-lhe cobrar seus re­presentantes e conhecer os meandros dos processos decisórios e de implemen­tação de políticas públicas.

As falcatruas dos seguros e do mo­nopólio do transporte público em Bos­ton do início do século XX alimentaram na Suprema Corte uma discussão so­bre a importância da transparência. Ho­je, ao se analisar o Tribunal Constitucio­nal brasileiro, percebe-se como a trans­parência pode ser uma virtude ambígua, se não contarmos com plena institucio­nalização das instituições democráticas.

A política brasileira tem sido acome­tida de um processo de judicialização. O processo de judicialização da política im­plica o fortalecimento do Poder Judiciá­rio diante do Executivo e do Legislativo.

Um dos argumentos para tanto é que as instituições políticas, os governos, os Par­lamentos e os partidos, em especial, estariam mergulhados em uma profunda cor­rupção da representação, o que leva ao empoderamento de instituições de cará­ter contramajoritário e dedicadas ao con­trole. Esse processo é comum nas demo­cracias consolidadas e torna o Judiciário uma espécie de bastião da moralidade, cabendo a ele o papel de corrigir os ru­mos tomados pela representação política.

A judicialização é normal nas demo­cracias. O Judiciário, especialmente as Cortes Constitucionais, são institui­ções políticas e a transparência de fato é um princípio importante da ordem de­mocrática. Dentro da normalidade de­mocrática, o Judiciário tem uma fun­ção política muito importante e a trans­parência pode, de fato, contribuir pa­ra a publicidade das ações de governos. Mas, se tomarmos o caso brasileiro, es­pecialmente no que tange ao julgamen­to da Ação Penal 470, ou, simplesmente, do "mensalão", percebe-se que ambas, a judicialização e a transparência, têm si­do sobrevalorizadas e podem acarretar em processos pouco democráticos. Das duas ordens de questões, fica o seguin­te: em que medida o fortalecimento da transparência e o processo de judiciali­zação da política ajudam a fortalecer a democracia no Brasil?
O julgamento do mensalão tem sido rea­lizado sob os holofotes da grande mídia e tem suscitado um debate entre surdos. Nunca nenhum julgamento no Supremo Tribunal Federal foi tão transparente quan­to este. E nunca uma Corte Constitucional esteve tão no centro da democracia sob o manto de salvadora da moralidade pública e dos bons costumes políticos.

Penso não se tratar de uma condi­ção de exceção, como um dos lados do debate sobre o julgamento tem defendi­do. Mas, certamente, é um processo que pode acarretar riscos institucionais se­veros para a ordem democrática. Logo, ele pode vir a ser um julgamento históri­co simplesmente pelo fato de o STF ter sucumbido à mídia e não por ter punido, sob a tutela das transmissões ao vivo das sessões do julgamento, os "mensaleiros".

No Brasil, a consolidação da demo­cracia trouxe o Judiciário ao centro do debate político. Não apenas no caso do mensalão, mas, sobretudo, no seu papel de guardião da Constituição de 1988. Se associarmos a isso o fato de que as sessões de julgamento são transmitidas ao vivo pela tevê, firma-se um contex­to em que uma instituição contramajoritária por definição sucumbe aos inte­resses de grandes grupos de mídia na conformação da opinião pública e crie uma sanha punitiva.

A posição do STF beira a irresponsabili­dade, especialmente quando um de seus magistrados aponta para a não valida­de da aprovação de reformas importan­tes no Congresso, com o suposto auxílio da compra de votos de parlamentares. Se prevalecer essa jurisprudência, não haverá prudência alguma quanto ao in­teresse público. Retroceder o debate so­bre a reforma da previdência provocaria um efeito nefasto nas contas públicas e um retrocesso democrático.

O STF deveria olhar para a experiência do juiz Brandeis e perceber que a trans­parência é, de fato, o melhor desinfetan­te. Mas também deveria notar que ela não implica uma sanha punitiva sem observar o contexto e o texto. E, mais ainda, sem observar a pouca transparência dos gru­pos privados de mídia. Se a transparência é o melhor desinfetante, a publicidade é o princípio. Isso está distante do puro moralismo. Nem exceção, nem julgamento histórico. O mensalão deveria ser um ca­so normal da vida democrática, cabendo a prevalência do império da lei e prudên­cia com os fatos e com os desdobramen­tos para a democracia brasileira. Mais ju­risprudência, menos moralismo."

Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Mi­nas Gerais e coordenador do Centro de Referência do Interesse Público

O referendum islandês e os silêncios da mídia

 Em artigo à Carta Maior, Mauro Santayana, ressalta a autonomia política da Islândia frente à pressão do sistema financeiro internacional:
 
"Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais. A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.

Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.

Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto. O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.

A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades - pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.

A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembléia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.

Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.

Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.

Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos."

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil.