quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O alto comissário do Golbery não toma jeito


Tarso Genro

Como Elio Gaspari foi do velho Partidão e depois se tornou confidente do General Golbery, fazendo, a partir daí, uma carreira de jornalista mordaz e corregedor de todos os hábitos do país, ele se dá o direito de não só inventar tolices nas suas colunas, como também enganar os mais desavisados.

Defende as suas teses principalmente a partir da falsificação da posição dos seus adversários de opinião. Para defendê-las, Elio sempre desqualifica os seus adversários com textos de estilo ferino, que não raro beiram a difamação. Os que se sentem agredidos raramente se defendem, não só porque ele não publica as respostas na sua coluna, mas porque talvez temam despertar nele uma ira ainda maior, que também não abre espaços para o contraditório.

Já fui alvo algumas vezes das suas distorções e falsificações, mas sobre este tema da reforma política preciso responder formalmente, porque se trata de um assunto extremamente relevante para o aperfeiçoamento democrático do país, sobre o qual existem divergências elevadas, tanto dentro da esquerda como da direita democrática.

A estratégia usada por Elio Gaspari para promover suas crônicas foi muito comum na época da ditadura, quando o SNI - através de articulistas cooptados - recheava de informações manipuladas a grande imprensa, sobre a “subversão” e as “badernas estudantis”. O regime tentava, desta forma, tanto manter o controle da opinião pública, como dividir a oposição legal e a clandestina, num cenário em que povo já estava cansado do regime. Elio Gaspari parece que se contaminou com este vício e combinou-o com uma arrogância olímpica: desqualifica todo mundo, não respeita ninguém, o que pode significar uma volúpia de desrespeito a si mesmo, ensejada pela sua trajetória como jornalista com idéias muito próximas de um ceticismo anarco-direitista.

Vários dirigentes políticos, tanto da oposição como da situação - da direita e da esquerda - que não estão satisfeitos com o sistema político atual, debatem uma saída: uma reforma política para melhorar a democracia no país. Todos sabemos que não existe um sistema ideal e perfeito, mas que é possível uma melhora no sistema atual, que pode tornar mais decente a representação e os próprios partidos. Este debate para melhorar a democracia e dar maior coerência ao sistema de representação tem despertado a santa ira de Elio Gaspari, que dispara para todos os lados, mas nunca diz realmente qual é a sua posição sobre o assunto.

No seu artigo “O comissariado não toma jeito”, no qual sou citado nominalmente como defensor de fisiologismos, ele atinge o auge na deformação das opiniões de pessoas que ele não concorda. Vincula, inclusive de maneira sórdida estas opiniões a dirigentes políticos condenados na ação penal 470, para aproveitar a onda midiática que recorre diariamente a estas condenações, não só para desmoralizar a política e os partidos, mas para tentar recuperar os desastrados anos do projeto neoliberal no país, nos quais, como todos sabemos, não ocorreu nenhuma corrupção ou fisiologismo.

As deformações de Elio são explícitas quando ele examina dois pontos importantes da reforma política: o “voto em lista fechada” e o “financiamento público” das campanhas eleitorais. Sobre o voto em lista “fechada” ele argumenta, em resumo, que a “escolha deixa de ser do eleitor”, que vota numa lista preparada pelo Partido, que captura o seu direito de escolha.

Pergunto: será que Elio não sabe que a escolha na “lista aberta” (sistema atual), é feita, também, a partir de uma relação de nomes que é organizada pelos Partidos? E mais: será que Elio não sabe que a diferença entre um e outro sistema é que, no atual, o voto vai para a “fundo” de votos da legenda e acaba premiando qualquer um dos mais votados da lista, sem o mínimo nexo com a vontade do eleitor? Repito, qualquer um da lista, sem que o eleitor possa saber quem ele está ajudando eleger!

Na lista fechada é exatamente o contrário. O eleitor sabe em quem ele está votando. E sabe da “ordem de preferência”, que o seu voto vai chancelar, a partir do número de votos que o Partido vai amealhar nas eleições. O eleitor faz, então, previamente, uma opção partidária - inclusive a partir da qualidade da própria lista que os Partidos apresentaram - e fica sabendo, não só quem compõe a lista do seu partido, mas também a ordem dos nomes que vão ter a preferência do seu voto.

Na lista aberta, ao invés de crescer o poder político dos partidos - que Elio parece desprezar do alto da sua superioridade golberyana - o que aumenta é o poder eleitoral pessoal de candidatos que, neste sistema de lista aberta, carreiam os votos dos eleitores para qualquer desconhecido. Por mais respeito humano que se tenha por figuras folclóricas que ajudam eleger pessoas com meia dúzia de votos, não se pode dizer que a sua influência pessoal possa ser melhor que a influência das comunidades partidárias, por mais defeitos que elas tenham.

A tegiversação sobre o financiamento público das campanhas não é ridícula, porque é simplesmente uma falcatrua argumentativa. Elio diz que este tipo de financiamento não acabará com o “caixa 2” e que tal procedimento vai levar a conta para o povo, que ele chama gentilmente de “patuléia”. Vejamos se estes argumentos são sérios.

Primeiro: ninguém tem a ilusão de acabar com o “caixa 2”, que acompanhará as campanhas, enquanto tivermos eleições. O que devemos e podemos buscar é um sistema que possa diminuí-la, substancialmente, através - por exemplo - de um controle “on line”, de todos os gastos das campanhas, num sistema financiado por recursos conhecidos e previamente distribuídos aos partidos.

Este sistema certamente diminuirá a dependência dos partidos em relação aos empresários e permitirá um controle mais detalhado dos gastos, pois cada partido terá um valor previamente arbitrado, para ser fiscalizado à medida que os recursos forem sendo gastos. Reduzir, portanto, a força do poder econômico sobre as eleições, este é o objetivo central do financiamento público.

Quanto à transferência das despesas para o povo, qualquer aluno do General Golbery - digo aqui da modesta situação de fisiológico que me foi imputada - sabe que as contribuições dadas pelas empresas aos partidos e aos políticos, são “custos” de funcionamento de uma empresa, que integram o preço dos seus produtos e serviços, que são comprados pelo consumidor comum ou pelo Estado.

Quem paga por tudo, sempre, é o povo que trabalha e compra e o Estado que encomenda, compra e paga. O defensor da patuléia, portanto, não está defendendo nem a “viúva” metafórica nem o Estado concreto. Está, sim, defendendo a atual influência do poder econômico sobre os processos eleitorais, de uma forma aparentemente moralista, mas concretamente interessada: acha que o sistema assim está bem. Uma forma de fisiologismo altamente disfarçado. O alto comissário do Golbery não toma jeito.

 Tarso Genro é Governador do Rio Grande do Sul
(Texto originalmente publicado no site Carta Maior)  
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21658

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A inflação e os mitos da oposição

Em texto publicado na Fundação Perseu Abramo, o deputado Cláudio Puty* critica a oposição por tentar manipular a opinião pública com falsas impressões sobre a inflação: 

"Em sua monumental obra, a propaganda política, o escritor francês Jean-Marie Domenach afirma que a característica da propaganda moderna, inclusive a política, consiste em impressionar em vez de convencer e em sugerir algo ao público em vez de informá-lo. É o que acontece com as recentes declarações de líderes da oposição sobre uma suposta perda de controle do governo sobre a economia, o que estaria levando o Brasil a um “apocalipse inflacionário”. Jogam com impressões, não com a realidade.
Ora, uma análise dos números mostra que as coisas não são bem assim. Se nós observarmos o tempo de vigência do Sistema de Metas para a Inflação, veremos que o centro da meta não foi alcançado em 11 dos 14 anos. No governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, a meta era, em 1999, de 8%, caindo em 2000 para 6% e, depois, para 4%. Quando a meta foi de 8%, a inflação chegou a 8,94%; quando a meta foi de 6%, a inflação atingiu 5,97%. Em 2001, a meta foi estabelecida em 4% ao ano, mas a inflação começou a galopar, chegando à taxa de 7,67%. No último ano do reinado do tucanato, enquanto a meta descia para 3,5% a inflação batia em 12,53%.
Para combater essa ameaça, o PSDB lançou mão da única arma disponível – melhor seria dizer, preferível – do receituário monetarista do Consenso de Washington: a alta da taxa de juros para inibir o consumo. Assim, para uma inflação de mais de 12%, tivemos uma taxa Selic cavalar, de 45% ao ano! Quando Fernando Henrique Cardoso entregou a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003, a Selic já tinha baixado, mas ainda estava em espantosos 25% ao ano.
Já nos anos de Lula e Dilma no Palácio do Planalto, os índices inflacionários foram, em média, bem menores do que tinham sido no último período do governo FHC, no que se refere ao regime de metas da inflação. Apesar da torcida contrária da oposição, os governos do PT conseguiram manter a inflação dentro das bandas de tolerância do Sistema de Metas, chegando a taxas de 7,60%, 5,69%, 3,14%. Em dois anos do governo Dilma, mesmo em meio à persistência da crise internacional, a taxa permaneceu em torno de 6%; no ano passado, ela foi de 5,84%.
O mais significativo é que esses números foram atingidos com a mudança da política monetária anterior. O PT não fez o combate à inflação apelando para juros altos, recessão e desemprego, como os tucanos. Ao contrário: as taxas de juros, que chegaram a níveis estratosféricos no governo FHC, baixaram pela primeira vez nos últimos dez anos e hoje se encontram num patamar civilizado – embora ainda alto –, de 7,25% ao ano. E o desemprego, esse flagelo social que chegou a atingir 15% da População Economicamente Ativa (PEA) no final do governo FHC, hoje está em 6,7%, o menor das últimas décadas, configurando, na prática, uma situação de pleno emprego – algo que o país não vivia há muito tempo.
A visão míope do monetarismo neoliberal dos tucanos, portanto, vê no aumento dos juros a arma mais efetiva contra a inflação – já veremos por quê. Os governos do PT, ao contrário, procuram múltiplos instrumentos de combate à ameaça inflacionária: além dos eventuais ajustes na taxa Selic, passaram a ser adotadas medidas macroprudenciais, com o controle dos canais de crédito; foram reduzidos os custos de produção, com a desoneração da folha de pagamento de diversos setores econômicos; e se aumentou a oferta de produtos agrícolas, cujos preços incidem fortemente sobre a inflação. Sobre isso, é bom lembrar que, para este ano, o IBGE está prevendo uma safra de grãos 13,1% maior do que a safra de 2012.
A grande diferença entre os governos do PT e do PSDB é o hiato que separa governos de esquerda e de direita: nós vemos o controle da inflação como um fator importante para a estabilização da economia, mas não conduzimos a política monetária com um único objetivo, o de transferir renda para os detentores de títulos públicos e para os rentistas. Nós, ao contrário, temos compromisso com o país, com a produção, a defesa da indústria, o aumento da geração de empregos e a distribuição de renda."

*Cláudio Puty é deputado federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso, é economista, com mestrado e doutorado no Japão e nos Estados Unidos.