sexta-feira, 7 de junho de 2013

O BRASIL MERECE O ‘B’ NOS BRIC?

LEITURA ESSENCIAL

Neste texto, publicado no site da CNN, no dia 3/6, com o título O Brasil merece o ‘B’ nos BRIC? Anthony Pereira mostra que a economia brasileira tem o PIB per capita mais alto que China e Índia, e, com uma economia mais madura, não é de se estranhar que os índices crescem de forma mais lenta.  E o mais importante, o país é muito menos vulnerável a choques externos do que costumava ser. A dívida pública como porcentagem do PIB caiu de 60% para 35% do PIB entre 2002 e 2012 e diferentemente da China e da Índia, o Brasil tem reduzido a desigualdade econômica nos últimos anos.

Anthony Pereira*

Quando o economista Jim O’Neill, da Goldman Sach’s,  veio pela primeira vez ao Brasil depois de criar a sigla BRIC, alguém perguntou se ele havia incluído o “B” apenas para soar agradável. Esse ceticismo tem se tornado comum novamente, os investidores comparam a taxa de crescimento do Brasil, que este ano foi somente 3 %,  e enquanto na China e na Índia está em torno de 8% e 6% respectivamente.

Então, o Brasil ainda merece ser visto como uma potência econômica? Muitos diriam que não. O Brasil cresceu menos de 1% em 2012, o menor crescimento entre os países do BRIC, que cresceram somente 2,7% em 2011. Os problemas são bem conhecidos. Poupam mais do que investem, sendo que 70% desse crescimento vem do consumo.

O crédito tem crescido largamente nos últimos anos. Entretanto, as famílias têm se endividado, o que retarda o crescimento.   Nos últimos dez anos, o Brasil tem se beneficiado do ‘boom’ das commodities, mas esse ‘boom’ desacelerou. O Brasil se tornou um país caro, com uma moeda forte, e ainda tem corroído a competividade da indústria.

Dez anos atrás, aproximadamente 50% das exportações eram produtos manufaturados, hoje as proporções estão perto de 35%. A carga tributária é grande, em torno de 35% do PIB, especialmente em comparação com a qualidade de serviços que o estado oferece, e o governo gasta mais que o crescimento do PIB.

A produtividade do Brasil cresceu apenas 1.3% entre 1990 e 2010, enquanto a China lidera com 8.3%, seguido pela Índia com 4.7% no mesmo período. E ainda existem outras preocupações. A inflação está indo além do teto prescrito pelo Banco Central, sendo de 6.5% ao ano. O déficit do balanço de pagamento tem crescido. A infraestrutura, como portos, estradas e aeroportos, é precária, e as tentativas de trazer o setor privado para modernização da infraestrutura não têm sido bem sucedidas.

Energia elétrica cara, previdência pública mal financiada, e altas taxas de juros completam este quadro negativo. De acordo com alguns analistas, o principal pilar da economia brasileira vem sendo corroído.

O sistema político parece incapaz de responder a tais desafios. A burocracia da máquina pública é complicada e antiquada; a corrupção é recorrente entre os políticos, uma oposição eficiente e um debate sobre as políticas atuais são quase inexistentes.

O governo atual tem planejado a reeleição da presidente Dilma Rousseff, que será em 2014, e ainda existe o perigo dos ajustes necessários serem adiados fazendo com que a situação fique pior.

Deveríamos, então, tratar de RIC ao em vez dos países do BRIC?   Não necessariamente.  Existem três razões principais para dizer que o Brasil não deveria estar fora como um ator econômico global.

A primeira tem a ver com os fundamentos da economia que são frequentemente ignorados por investidores de curto prazo. A economia brasileira tem o PIB per capita mais alto que China e Índia, e, com uma economia mais madura, não é de se estranhar que os índices crescem de forma mais lenta.

E o mais importante, o país é muito menos vulnerável a choques externos do que costumava ser. A dívida pública como porcentagem do PIB caiu de 60% para 35% do PIB entre 2002 e 2012.  As reservas internacionais agora são US$ 377 bilhões. O Brasil atraiu cerca de US$ 62 bilhões em investimento direto estrangeiro em 2012, fazendo com que seja o maior receptor de IDE no mundo depois da China e dos Estados Unidos.

Todos esses fatores são as razões para se ter confiança na capacidade na economia brasileira para que continue a avançar de forma constante e espetacular.

Em segundo lugar, o Brasil possui certos atributos invejáveis. Existem poucas ameaças à sua segurança, o que significa que não é preciso gastar tanto com a segurança nacional. Brasil está sozinho diante dos países do BRIC com relação à não produção de armas nucleares.  O Brasil tem uma terra generosa em relação ao seu povo, com uma larga bacia de recursos naturais, incluindo petróleo, para a sua população que é relativamente pequena (200 milhões) comparada à China e Índia. Possui um grande potencial no setor agrícola, mas que ainda não foi alcançado.  Como o maior produtor de soja e carne bovina do mundo, tem a capacidade de adaptação das safras em solos tropicais e de desenvolver a sua vasta fronteira terrestre.

Além disso, o Brasil está se tornando um líder ambiental. O gerenciamento da floresta Amazônica é crucial para a saúde do planeta, e essa é a razão pela qual a grande redução do índice de desmatamento tem sido encorajada.  Possui a maior reserva de água potável do mundo. Quase metade da fonte de energia vem de recursos renováveis, maior parte vem de hidrelétricas, mas também de biocombustíveis.

Existe um terceiro e último fator que faz o Brasil se destacar. Juntamente com a Rússia, diferentemente da China e da Índia, o Brasil tem reduzido a desigualdade econômica nos últimos anos.  O índice de ‘Gini’, que mede a desigualdade de renda, caiu de 0.63 para 0.52 de 1989 até 2009.

Entre 2003 e 2011, aproximadamente 30 milhões de brasileiros se juntaram à chamada “nova classe média”, recebendo entre 100 libras e 400 libras per capita por mês, ganharam acesso ao emprego formal, e ainda acesso a crédito. O Brasil possui um grande mercado consumidor.

Essa redução da desigualdade tem um componente racial, o motivo seria que 75% da nova classe média são ‘não brancos’. E também tem componente de gênero: nos últimos vinte anos o emprego formal para mulher cresceu 136%.

É verdade que os índices econômicos do Brasil têm crescido lentamente se comparado a China e a Índia. Mas os índices também são lentos na maioria dos países.  O Brasil tende a ser foco de análises exageradas da economia.

Se olharmos além da preocupação superficial do crescimento do Brasil e seus fundamentos econômicos, os seus recursos, e o progresso social extraordinário que o país tem feito nas últimas décadas, parece  prematuro remover o "B" do BRIC.

http://edition.cnn.com/2013/06/03/business/opinion-pereira-brazil-bric-economies/index.html?iid=article_sidebar

 Anthony Pereira* é professor e diretor do Instituto Brasileiro na King’s College London (texto publicado no site da CNN em 03/06/13)

A BANALIDADE DE “NÃO SEJA MAU”

LEITURA ESSENCIAL

O texto abaixo,em tradução não oficial, é de Julian Assenge,  criador do WikiLeaks, publicado no New York Times de sexta-feira (02/06), trata do livro The new digital age, de Eric Schmidt e Jared Cohen.  Schmidt é o diretor-executivo do Google, e Cohen, ex-assessor de Condoleeza Rice e Hillary Clinton, é diretor de sua Divisão de Ideias.  Ambos, segundo Assange, criaram um novo idioma para o poder global dos Estados Unidos no século 21. De forma clara, anunciam que a sua empresa terá uma posição chave na consolidação do imperialismo tecnocrático norte-americano no mundo. “O texto é conciso, o estilo, coloquial — e o conteúdo, banal”, resume Assange.

O que preocupa Assange é outra coisa: a íntima associação entre o Google — nascido da ideia visionária e libertária de jovens do Vale do Silício — e o Departamento de Estado. Como registra o criador do WikiLeaks, os maiores elogios ao livro partiram dos falcões imperialistas, como Henry Kissinger, Tony Blair e Michael Hayden, ex-diretor da CIA.  Assange – conforme lembrou o jornalista Mauro Santayana - aponta que o livro dos dirigentes do Google repete os tabus e interesses do Departamento de Estado. Seus autores, conforme o criador do WikiLeaks, desdenham o avanço democrático na América Latina — obtido com o fim das oligarquias e a queda de alguns dirigentes submissos aos Estados Unidos — e se referem a seus líderes como “envelhecidos”.

 Julian Assenge* 

“A Nova Era Digital” é um surpreendentemente claro e provocativo protótipo para o imperialismo tecnocrático, de dois de seus principais feiticeiros, Eric Schmidt e Jared Cohen, que constroem um novo idioma para o poder global dos Estados Unidos no século XXI. Esse idioma reflete a cada vez mais próxima união entre o Departamento de Estado e o Vale do Silício, como personificado pelo Sr. Schmidt, o diretor executivo da Google, e o Sr. Cohen, um antigo conselheiro de Condoleezza Rice e Hillary Clinton que agora é diretor da Google Idéias.

Os autores se encontraram em Bagdá, ocupada em 2009, quando o livro foi concebido. Espreitando pelas ruínas, ambos se entusiasmaram com a tecnologia de consumo que estava transformando uma sociedade comprimida pela ocupação militar dos EUA. Eles decidiram que a indústria tecnológica poderia ser um poderoso agente da política externa norte-americana.

O livro propagandeia o papel da tecnologia em remodelar os povos e nações do mundo ao gosto do superpoder dominante, queiram eles ser remodelados ou não. A prosa é concisa, o argumento confiante e a sabedoria – banal. Mas este não é um livro feito para ser lido. É uma grande declaração planejada para gerar alianças.

 “A Nova Era Digital” é, além de qualquer coisa, uma tentativa do Google para se posicionar como o visionário geopolítico da América – aquela empresa que pode responder à pergunta “Onde a América deve ir?” Não surpreende que um número respeitável dos mais famosos cães de guerra mundiais foram convocados para dar seus selos de aprovação a este subterfúgio do “poder brando” ocidental. Os reconhecimentos dão prioridade para Henry Kissinger, que junto com Tony Blair e o antigo diretor da CIA Michael Hayden concederam elogios prévios para o livro.

No livro os autores tomam o fardo do nerd branco com alegria. Uma pitada liberal de bons negros, convenientes e hipotéticos, aparece: pescadoras congolesas, designers gráficos em Botswana, ativistas anticorrupção em São Salvador e pastores analfabetos no Serengueti são todos obedientemente invocados para demonstrar as propriedades progressivas dos telefones Google articulados na cadeia informacional do império do Ocidente.

Os autores oferecem uma versão profissionalmente banalizada do mundo do amanhã: os aparatos tecnológicos de décadas adiante são previstos como a serem bastante como o que temos hoje – só que mais estilosos. O “progresso” é gerado pela difusão inexorável da tecnologia de consumo americana sobre a superfície da Terra. Todos os dias já há uma ativação de um milhão ou mais de aparelhos móveis que funcionam via Google. A empresa irá se introduzir – e por consequência o governo dos Estados Unidos – entre as comunicações de cada ser humano que não está na China (China malandra).

Mercadorias apenas se tornam mais atraentes; jovens profissionais urbanos dormem, trabalham e fazem compras com mais facilidade e conforto; democracia é diabolicamente subvertida por tecnologias de vigilância, e o controle é entusiasticamente renomeado como “participação”; e nossa presente ordem mundial de dominação sistematizada, intimidação e opressão continua, encoberta, ilesa ou apenas suavemente perturbada.

Os autores são duros quanto ao triunfo dos Egípcios em 2011. Eles dispensaram a intimidada juventude egípcia, afirmando que “a confusão nos protestos e a arrogância dos jovens é universal”. Grupos que são inspirados virtualmente levam a uma revolução “fácil de começar”, mas “difícil de acabar”. Por causa da abstenção de líderes fortes, o resultado, o Sr. Kissinger diz aos autores, são coalizões de governantes que derrocam em autocracias. Eles dizem que “não haverá mais primaveras” (mas a China está nessa corrente).

Os autores fantasiam sobre o futuro dos grupos revolucionários  com “bons recursos”. Um novo “grupo de consultores” irá “usar dados para construir e harmonizar uma figura política”.

No discurso “dele” (o futuro não é tão diferente) a fala e a escrita serão alimentadas “através de complexos recursos de extração e grupos de software de análise de tendências” enquanto “mapeando o funcionamento cerebral,” e outros “diagnósticos sofisticados” serão  usados  para “avaliar os pontos fracos do seu repertório político”.

O livro espelha tabus institucionais e obsessões do Departamento de Estado. Isso evita uma crítica significativa de Israel e da Arábia Saudita. Ele pretende, extraordinariamente, que o movimento de soberania latino-americano, que libertou tantos de ditaduras e plutocracias apoiadas pelos EUA nos últimos 30 anos, nunca aconteceu. Referindo-se à região como o lugar dos “líderes envelhecidos”, o livro não consegue ver a América Latina por Cuba. E, claro, o livro aborda teatralmente os favoritos bichos papões de Washington: a Coréia do Norte e o Irã.

Google, que começou como uma expressão da cultura californiana de estudantes de graduação - uma cultura decente, humana e divertida — se vendeu, ao encontrar o mundo grande e mau, para os elementos tradicionais de poder em Washington, do Departamento de Estado à Agência de Segurança Nacional.

 Apesar de representar uma fração infinitesimal das mortes violentas no mundo, o terrorismo é uma marca favorita nos círculos políticos dos Estados Unidos. Este é um fetiche que também deve ser atendido, e então "O Futuro do Terrorismo" recebe mais um capítulo. O futuro do terrorismo, aprendemos, é o “cyberterrorismo”. A sessão de indulgente alarmismo segue, incluindo um cenário de filme-catástrofe, de tirar o fôlego, onde “cyberterroristas” assumem o controle do sistema americano de controle de tráfego aéreo, colidem aviões em edifícios, fecham as redes de energia e fazem lançamento de armas nucleares. Os autores então atacam ativistas que se engajam e práticas digitais com a mesma arma.

Eu tenho uma perspectiva muito diferente. O avanço da tecnologia da informação sintetizada pelo Google anuncia a morte da privacidade para a maioria das pessoas e muda o mundo na direção do autoritarismo. Esta é a principal tese do meu livro, “Cypherpunks.”. Mas enquanto o Sr. Schmidt e o Sr. Cohen nos dizem que a morte da privacidade vai ajudar os governos nas "autocracias repressivas" em "alvejar os seus cidadãos", eles também dizem que os governos nas democracias “abertas” irão vê-la como “um dom” que lhes permite “responder melhor aos cidadãos e às preocupações dos clientes”. Na realidade, a invasão da privacidade individual no Ocidente e a centralização de poder fazem dos abusos algo inevitável, movendo as “boas” sociedades para perto das "ruins".

A seção sobre "autocracias repressivas" descreve, com desaprovação, várias medidas de vigilância repressivas: legislação que insere porta dos fundos em softwares para permitir espionar os cidadãos; o monitoramento das redes sociais e coleta de informações sobre populações inteiras. Tudo isso já está em uso difundido nos Estados Unidos. Na verdade, algumas dessas medidas - como o incentivo para exigir que cada perfil das redes sociais esteja ligado ao nome real - foram liderados pelo próprio Google.

Está tudo escrito nas paredes, mas os autores não conseguem ver isso.  Eles emprestam as ideias de William Dobson de que os meios de comunicação, em uma autocracia, “permitem uma imprensa de oposição, na medida em que os opositores do regime entendem onde os limites tácitos estão.” Entretanto, essas tendências estão começando a surgir nos Estados Unidos. Ninguém duvida dos efeitos surpreendentes das investigações sobre a Associated Press e James Rosen,  da Fox. Mas houve pouca análise no papel do Google no cumprimento da intimação de Rosen. Tenho experiência pessoal sobre essas tendências.

O Departamento de Justiça admitiu em março que estava no terceiro ano de investigação criminal do WikiLeaks. Testemunhos em tribunal afirmaram que os alvos incluem "os fundadores, proprietários ou gerentes de WikiLeaks". Uma suposta fonte, Bradley Manning, irá enfrentar um julgamento de 12 semanas a partir de amanhã, com 24 testemunhas de acusação que se espera deporem em segredo.

O livro é um trabalho “maléfico” que nem o autor tem a linguagem para ver, muito menos para expressar, o titânico mal centralizador que eles estão construindo. “O que Lockheed Martin foi para o século XX”, nos dizem, “empresas de tecnologia e cybersegurança serão para o XXI.” Sem sequer compreender como, eles atualizaram e consistentemente implementaram a profecia de George Orwell. Se você quer uma visão do futuro, imagine Óculos Google apoiados por Washington enlaçados em faces humanas disponíveis – para sempre. Guardiões do culto da cultura de tecnologia de consumo irão encontrar pouca coisa a inspirá-los aqui, não que eles alguma vez pareçam precisar. Mas isto é leitura essencial para qualquer um pego na luta pelo futuro, tendo em mente um imperativo simples: Conheça seu inimigo.

http://www.nytimes.com/2013/06/02/opinion/sunday/the-banality-of-googles-dont-be-evil.html?_r=0

Julian Assenge* é criador do WikiLeaks (texto publicado no New York Times em 02/06/13